Entrevista

1) Alexandra, você foi a única mulher que encontrei, na blogosfera, falando das amazonas com seriedade. Como você as "descobriu"? Por que se sentiu atraída por elas?

É difícil encontrar coisa "séria", primeiro por as pessoas verem as amazonas como mito ou algo que já existiu e acabou e cuja única forma de contato com seu modo de vida seria por reencenações em televisão ou simulações em jogos de RPG. Eu mesma, quando falava sobre ser amazona, encontrei algumas vezes resistência como se eu fosse uma louca. Uma garota (ou seja, mulher, que deveria ser unida e apoiar a outra) até me disse "tudo bem você gostar ou ler sobre elas, mas dizer que é uma...", enquanto, por outro lado, já encontrei garotos que desejavam ter podido nascer mulher para ser amazona. Tendo Atena como patrona no Helenismo, eu busco muito sabedoria/consciência/sensatez, então acredito que a forma mais racional de se falar a sério das amazonas é pela história, que é o que mais nos conecta ao real. Descobri as amazonas porque estudava os gregos e também por fazer um curso de mitologia indígena. No Brasil, tínhamos as Icamiabas, tribo de mulheres guerreiras. Isso é histórico, registrado. Também assisti a documentários sobre as amazonas da Europa e Ásia, li artigos arqueológicos, procurei coisas científicas que pudessem provar por evidências a possibilidade de elas terem existido de verdade. Quanto a acreditar que possa haver uma reconstrução de pelo menos parte de seus valores, posturas e atitudes perante a vida, basta ler o texto de 200 anos antes da nossa era, falando da destruição que realmente ocorreu no templo de Ártemis e dirigindo-se às "irmãs do futuro", o que poderíamos tomar como uma crença de um retorno da nação. Esse texto eu traduzi do inglês e está no blog: http://amarice.wordpress.com/2008/01/15/mensagem-as-guerreiras-modernas/ .

Ele apareceu na minha frente um tempo depois de eu ter descoberto um grupo de americanas que intencionava reconstruir fisicamente uma vila amazona, comprando terreno, dividindo tarefas, e não eram mulheres loucas, eram engenheiras, psicólogas, professoras, enfim, adultas e saudosas dessa união sagrada do feminino. Parece que o projeto não saiu do papel, e não sei se diria "infelizmente", pois acredito que somos mais úteis vivendo entre as pessoas e dando o exemplo das nossas 13 virtudes do que nos isolarmos comodamente do resto das pessoas. E atraí-me pelas amazonas porque a vida inteira presenciei ou soube de injustiças cometidas contra mulheres, humilhações e violações à alma e à dignidade de cada uma de nós sem que nada se fizesse, e não quis ser conivente e parte disso que permite que as coisas sejam assim. Outra coisa curiosa foi que a primeira viagem induzida que fiz no xamanismo (bem antes dessa história toda) eu encontrei amazonas me recebendo no mundo xamânico.



2) Para você, quem é a amazona atual?

A amazona atual tem honestidade (procurar ser verdadeira), coragem (não trair seus princípios), compaixão (generosidade), orgulho de si e de sua tribo (não orgulho excessivo, mas excelência pessoal), igualdade (como expressão de humanidade e justiça), dignidade (respeitando o valor de si e dos outros), tradição (ter um guia de vida a considerar), honra (ter palavra e cumprir com sua obrigação), independência (confiar em si e na sua consciência, mas saber pedir ajuda quando realmente precisar), força (perseverança e a certeza de que faz parte de uma força maior da causa amazona), espiritualidade (acreditar em algo sagrado, seja de qual crença for), diversidade (cada parte tendo seu propósito e contribuindo para o todo), unidade (saber ser uma família unida pelos ideais das antepassadas, uma unidade que além de virtude é proteção e forma de prosperarmos). A amazona não sai por aí fazendo alarde de si ou de suas irmãs, porque dar um aviso é como dar a oportunidade de o adversário se preparar e se armar para combatê-la. Ela conhece suas melhores armas, sabe levantar sempre que cai e estará sempre procurando lutar pelo que acredita.




3) Você tem conhecimento, no Brasil, de grupos que estudem e/ou honrem as amazonas?

Não. Conheci dois ou três grupos nos EUA que trocavam informações acadêmicas e procuravam evitar jogos/brincadeiras. Algumas inclusive foram escoteiras ou eram militares. No Brasil eu participei de algumas comunidades virtuais, mas todas acabavam ou falando de Xena ou de RPG e não levando a sério para suas vidas o treino constante para se aperfeiçoar como mulher e guerreira de verdade. (Nada contra Xena, que eu adoro, mas tenho consciência de que não é bem por ali o caminho.) Sei que existe quem leve a sério ou honre as amazonas com seu modo de vida, algumas delas visitam meu blog, mas não conheço um grupo organizado e estruturado do qual possa falar ou indicar.



4) A amazona da atualidade, na sua opinião, tem um "visual predefinido"?

O visual de uma amazona deve ser apenas reflexo de seu modo de vida e sua disposição interior. A amazona deveria se vestir com o que se sente bem, não com o que lhe dita a moda ou as proibições e perseguições do estilo "uniban" que não são de hoje que se espalham e causam pavor e traumas nas mulheres. Seu físico e sua auto-confiança serão resultado da sua busca pela excelência física e mental. Não há necessidade de se fantasiar como se fosse para um festival no bosque, porque você não vive em uma floresta, mas, se tiver oportunidade e lhe der vontade, também nada lhe impedirá de fazê-lo. Já houve uma festa de Halloween que eu fui de guerreira: coloquei bota, pintei o rosto, prendi uma adaga no cinto e me senti muito bem.


5) Para você, como se dão as relacionamentos (sexuais ou não) de uma amazona atual?

Muita gente que pensa que esse negócio de amazona é coisa de lésbica, o que não é verdade. Qualquer mulher (hetero, bi, les) que seja autêntica, honesta com quem é de verdade, que se expresse com respeito, igualdade e dignidade, e todas as virtudes que citei anteriormente, pode ser amazona. O fato de uma mulher amar outra mulher não a qualifica como amazona, muito menos se ela for das que carregam ódio pelos homens, que é uma forma de generalização injusta que não combina em nada com a proposta e postura de uma mulher centrada e que conhece a honra de uma guerreira. Os relacionamentos de uma amazona serão honestos, ela não vai esconder nem de si nem da outra pessoa em questão quem ela é, como se expressa, o que gosta, nem vai ter medo de ser quem é. Hoje em dia muitas mulheres permitem que haja uma "colonização do desejo" delas, mesmo adultas, deixando que lhe ditem a quem ela deve amar ou quando deve se entregar etc. Se ela já tem maturidade emocional, o máximo que se pode fazer é aconselhar, e não ditar regras contra o que ela sente. Por isso acaba sendo realmente mais fácil/comum você encontrar amazonas homo ou bissexuais, porque foram mulheres que disseram "não" à tentativa de lhes podarem a expressão natural do desejo que há nelas. Há uma resolução melhor do seu papel e identidade sexuais numa situação assim. E seus relacionamentos amorosos fluem com mais dignidade e cumplicidade quando isso acontece.


6) Você acha que as mulheres em geral perderam a conexão com as amazonas?

Muito do que eu diria aqui eu acredito que já desenvolvi nas respostas anteriores. Eu acho que é mais fácil você se deixar colonizar, ter alguém que lhe diga o que fazer, o que pensar etc., então elas acabam sendo levadas e vão cada vez mais sendo enredadas numa situação difícil de sair, porque se acostumam ou temem as consequências que adviriam caso elas resolvessem mudar. A liberdade tem um custo, o da responsabilidade, porque se você pode fazer suas escolhas sozinha, só você responderá por elas. Mas quando uma pessoa procura, ela eventualmente acha. Se a conexão foi perdida, ela só continua perdida para quem não vai atrás dela. Pode não ser fácil como o comodismo de ficar onde/como está, mas também vai ser mais recompensador e você vai dormir mais tranquila por saber que fez sua parte e viveu sua própria vida (não a dos outros ou a que os outros sonharam/planejaram pra você).

Obrigada você pela oportunidade e pela lembrança,
Álex.

(http://mulherverde.blogspot.com/2009/11/entrevista-com-alex-sobre-as-amazonas.html)